quinta-feira, 25 de março de 2010

ALEJANDRO JODOROWSKY

Jodorowsky iniciou a carreira no cinema incompreendido pelo público. Era 1968, exibição de Fando e Lis no festival de Acapulco no México. O diretor teve de sair do teatro pela porta dos fundos. Já o segundo longa-metragem, lançado timidamente numa madrugada de 1970, no EUA, ganhou enorme repercussão, devido à admiração expressa de John Lennon e Yoko Ono, que assistiram incidentalmente à película. El Topo obteve assim bilheteria expressiva e ficou marcado como o primeiro “midnight movie”, mudando para sempre a estratégia de promoção dos filmes underground.

Cineasta, dramaturgo, literato, ensaísta, tarólogo especialista em psicomagia, Jodorowsky é fundador do Teatro Pânico com os surrealistas espanhóis Arrabal e Topor. É também reconhecido como grande autor de historias em quadrinhos, e considerado um dos precursores da arte multimídia. Ícone da arte contemporânea é um artista típico da contracultura européia dos anos 60/70. No entanto, devido a anos de litígio entre o cineasta e seu produtor, há até pouco tempo o público não tinha acesso a sua obra, a não ser por exibições clandestinas ocasionais. Em 2006 os filmes Fando e Lis e El Topo foram exibidos em Cannes, após restaurações. No Brasil, a cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro fez raras exibições. Mas, em 2007, quando o Centro Cultural Banco do Brasil realizou o festival em sua homenagem, apresentado seus sete filmes, mais pessoas puderam conhecê-lo. Na ocasião foi criado este catálogo, agora reeditado em parceria do SESC com o CCBB, com o propósito de ampliar a visão acerca da arte do cineasta.

Além de sinopses de películas do artista, esta publicação apresenta resumos de documentários afins com o universo jodorowskyano, com artigos, depoimentos, entrevistas e um texto do próprio diretor. A Mostra Jodorowsky promovida pelo SESC exibe seus quatro primeiros trabalhos: o curta-metragem Le Cravate (1957), e os longas -metragens Fando e Lis (1968), El Topo (1970) e A Montanha Sagrada (1973), circulando por 22 estados, através do CineSESC.

Serviço Social do Comércio



O mago multimídia

Alejandro Jodorowsky é um dos artistas precursores do que hoje se conhece como “multimídia”: um homem de inúmeras facetas que desafia e extrapola todos os limites do espiritual na arte.

Diretor de cinema e teatro, ator, produtor, compositor, escritor, autor teatral, filósofo, humorista, especialista em tarô e reconhecido mestre dos quadrinhos; enfim, um personagem errante em busca da “iluminação terrestre”. Antes de tudo, Jodorowsky é um fabulador visionário e encenador original, um criador de imagens poderosas e perturbadoras que sedimentam a iconografia latino-americana. Polêmico, anarco-alquimista, acusado invariavelmente de farsante e visto com desconfiança por parte da crítica especializada, Alejandro “não se leva a sério” e, exalando ironia, segue exercendo inegável influência na produção residual de vanguarda. Autor de um conjunto de seis longas-metragens e alguns curtas construiu uma obra desconcertante que continua atraindo um séquito de admiradores em torno da magia de seu cinema. Até a indústria hollywoodiana se rendeu aos seus encantos. Superproduções como Alien, Blade runner e Guerra nas Estrelas, se “apropriaram” - segundo o próprio diretor - de conceitos-chave do seu repertório. Cineastas contemporâneos de prestigio, como David Cronenberg, os irmãos Coen e David Lynch lhe são tributários confessos.

Filho de Fellini com Artaud, Jodorowsky é descendente de imigrantes russos e traz na raiz de sobrenome (conforme indicação em seu site) “olhos de ouro”. Nascido no Chile, em 1929, viveu também no México por vários anos e na França, onde reside até hoje e faz suas sessões de tarô às quartas-feiras, num café parisiense.

Desde cedo teve fascínio pelo absurdo e quis “salvar” o surrealismo de preceitos que não aceitava como o desprezo pela cultura popular. Flertou com Buñuel e após encontros com André Breton, escritor e principal teórico do movimento, passou a investir mais na potencialidade onírica da linguagem.

No teatro, dirigiu peças de autores como Beckett, Ionesco e Strindberg. Aos 17 anos, foi a Paris para ser aluno e assistente do mímico Francês Marcel Marceau. Lá conheceu o ator e teatrólogo espanhol Fernando Arrabal, e do encontro resultou o Movimento Pânico, que reuniu também Roland Topor. O nome fazia alusão ao deus Pan que se manifesta, segundo Jodorowsky, por meio de três elementos básicos: terror, humor e simultaneidade. “É uma busca intensa para transcender a sociedade aristotélica e deixar um legado que impulsione a humanidade a uma nova perspectiva”, sustenta o idealizador. Em 1968 dirige seu primeiro filme, fruto deste movimento Fando e Lis, uma historia de amor surreal adaptada de uma peça de teatro de Arrabal, que foi seu corroteirista. Todavia, como rito de iniciação no cinema, realizou em 1957, o ensaio do curta-metragem A gravata, baseado em texto de Thomas Mann. Em 1970 roda El Topo no México, um faroeste metafísico que causou furor na cena underground, se tornando um verdadeiro cult, inaugurando as sessões à meia-noite, o filme entrou em cartaz numa pequena sala em nova York, freqüentada pelo Grupo Fluxus, e siderou Yoko Ono e seu marido-Beatle, John Lenonn - que decidiu comprar os direitos de distribuição da película para todo os Estados Unidos, além de investir US$ 1 milhão na próxima aventura cinematográfica do realizador latino: A Montanha Sagrada (1973), obra sobre a busca alquímica da imortalidade. Condenado ao limbo durante anos, o filme voltou à tona mais tarde pela “descoberta” do cantor pop Marilyn Manson, que utilizou fragmentos da Montanha em seu vídeo The Dop Show (1988) e aderiu, inclusive, aos princípios da Psicomagia.

Dois anos depois em 1975, jodorowsky inicia um empreendimento monumental: a adaptação cinematográfica de Duna, a já clássica obra de Frank Herbert, para qual convocou como parceiros alguns dos maiores mestres do fantástico: Jean “Moebius” Giraud, HR Giger. Cris Foss e Dan O´Bannon. O elenco desta mega produção incluiria personalidades como Salvador Dali, Gloria Swanson, Orson Welles, Charlotte Rampling, Mick Jagger e David Carradine. A trilha sonora seria composta pelo Pink Floyd. O filme deveria ter dezesseis horas para poder “mostrar o processo e a iluminação de um herói, de um povo e de todo um planeta.” Chegou a iniciar a pré-produção, mas os produtores americanos se retiraram do projeto quando perceberam o “tamanho da encrenca” e o filme se transformou no “mais aguardado filme nunca realizado”. David Lynch acabou filmando Duna em 1984. Outro projeto ainda não concretizado por problemas de produção é Os filhos de El topo. Neste filme, contrariando os produtores que sempre exigiram atores famosos no elenco, Jodorowsky insiste em escalar seus dois filhos como protagonistas.

A trama transcorre depois do apocalipse nuclear, quando toda a terra se torna um deserto, exceto a ilha onde o corpo de El Topo foi cremado. Os filhos de El Topo, Caim e Abel, foram separados pelo pai quando pequenos porque ele temia que Caim pudesse matar Abel. Com a morte da mãe de ambos, eles se juntam para cremar o corpo dela junto ao pai. A partir daí seus destinos deverão se cumprir. Desencantado com Duna, o cineasta volta em 1979 dirigindo o renegado Tusk, que através da historia singela de um elefante revisita a tradição espiritual indiana. Em 1989, com Santa Sangre, ambientado no México, produzido por Claudio Argento e interpretado pelos filhos de Jodorowsky, Adel e Axel, retorna ao universo surreal e faz grande sucesso entre os cinéfilos. Em 1990, O ladrão do arco-íris, com Peter O´Toole, Omar Sharif e Cristopher Lee, evidencia a sua paixão pelas cartas adivinhatórias, o Tarô.

Os estudos místicos de Jodorowsky o transformaram numa referência internacional, sobretudo a partir da reconstrução do Tarô de Marselha em 1998, juntamente com o mestre das cartas Philippe Camoin. Eles restauram as cores e os símbolos originais das cartas e mergulham numa investigação que conduz à descoberta de segredos “escondidos” há séculos. Uma verdadeira revolução na historia desta prática milenar. O cineasta amplifica, desde então, sua militância mística e passa a fazer rituais de “cura” em lugares públicos e consultas on-line, notabilizando a Psicomagia como alternativa terapêutica, visando “sanar os bloqueios materiais-corporais, sexuais, emocionais e intelectuais que impedem o individuo de cumprir seu destino na vida”. Uma espécie de auto-ajuda “politizada”, como pratica da mesma forma o teatrólogo Plínio Marcos, no final da vida.

A sua trajetória nos quadrinhos traz historias que marcaram época. A saga futurista Aníbal 5, de 1966, seu primeiro trabalho na modalidade, é uma serie que mostra um universo inovador,entre o fantástico e a ficção cientifica, povoado por estranhas criaturas. Fábulas pânicas, por sua vez, vem a seguir e revela o caráter mais espiritual e filosófico da obra do autor. Nesse trabalho de 1967, em que é desenhista, argumentista e colorista, Jodorowsky se coloca como personagem e tem conversas e troca de impressões com um “Mestre” quase-divino. Porém, foi somente em 1980, com o ciclo As Aventuras de John Difool (Incal), feito em parceria com o mito dos quadrinhos Moebus que ele alcança a devida notoriedade, revolucionando a abordagem da ficção cientifica, Incal volumes 1 e 2 e , mais recentemente, a saga da família Bórgia, foram editados no Brasil. Caracterizadas por um profundo misticismo e por tramas subjetivas e complexas, todas essas narrativas inauguram uma espécie de quadrinho new age. Para ele, “quadrinhos são uma forma de arte. Qualquer arte oferece infinitas maneiras de se expressar. Não existem artes idiotas e sim artistas idiotas”.

Na literatura, destaque para Quando Teresa brigou com Deus, inspirado numa frase de outro artista multimídia, o “papa do surrealismo”, Jean Cocteau: “Cada pássaro canta melhor na sua árvore genealógica.” Este livro também foi editado no Brasil. A literatura de Jodorowsky é um ato de transformação onde se sobressai o realismo mágico, num cruzamento de realidade histórica, através da qual são veiculadas as aspirações políticas e sociais de um povo, e o universo do autor, que transmite a ancestralidade da cultura desse povo; o mito, “registro enfabulado e visceral tão envergonhado do que aconteceu no dia anterior como esperançoso por uma nova madrugada, e que dificilmente se encontra noutras culturas em que a transmissão vertical de tradições entre avós e netos não tem raízes”.

Com a vinda de Jodorowsky pela primeira vez ao Brasil, a Mostra - além de homenagear um grande artista - proporciona o acesso a uma obra praticamente inédita no país, conhecida apenas por apresentações esporádicas no Festival do Rio e sessões malditas para o publico seleto de cinéfilos. Finalmente, sua filmografia completa será apresentada no Rio, em São Paulo e em Brasília como originalmente foi concebida em bitola 35 mm e inteiramente legendada. Por conflito com os produtores, a obra de Jodorowsky circulava com cópias feitas há 30 anos. Reconciliados diretor e produtor, os filmes foram restaurados e uma caixa com Dvds remasterizados já foi distribuída no mercado europeu e americano.

Na lista de atrações inéditas, destaca-se A gravata (1957), primeiro curta-metragem do diretor, que foi roteirizado por Jean Cocteau e dado como perdido. Sua matriz foi encontrada recentemente na Alemanha e a partir dela foi feita a cópia que o público da mostra poderá assistir. Outro destaque é O Ladrão do arco-íris (1990), o ultimo filme dirigido por jodorowsky, uma produção inglesa inédita no Brasil.

Ao programar os seus filmes e expor amplamente os “signos do pânico” que iluminam o nosso imaginário arquemítico, o CCBB reativa um diálogo intercontinental que foi interditado pela tragédia político-economica que se abateu na América Latina no final dos anos 60. É fundamental se ouvir a vez e conhecer a imagem do artista enigmático Alejandro Jodorowsky, um sopro de inquietação e insanidade muito bem-vindo à praia audiovisual brasileira.

Salve Julio César de Miranda (pelas pérolas de Polytheama)! Evoé Carlão Reichenbach, mestre incentivador e iniciador do Jodô (“Sessão Comodoro”) pela decisiva alquimia! E, finalmente em memória do autor-cura-dor Roberto Ronchezel, um dos idealizadores do Festival Jodorowsky, vamos brindar a ansiada presença entre nós do mago-multimídia que atravessou todas as fronteiras da arte!

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